Crises: Mudanças climáticas no topo

Mais um indicador que reforça o que todos nós sentimos e sabemos: o mundo, definitivamente, está mais imprevisível.

Quem reforça isso é o Crisis Management Institute (ICM), que, ano a ano, levanta e classifica todas as crises que se tornam públicas e são veiculadas em língua inglesa no mundo, tanto na imprensa como nas mídias sociais. Ou seja, crises de alcance global.

A primeira grande mudança trazida no levantamento mais atual, lançado este ano: a origem das crises, classificadas em inesperadas e latentes. Antes da pandemia, em 2019, as latentes responderam por 77% do total das ocorrências (contra 23% das repentinas). Nos três anos anteriores, o quadro era bem similar, com as latentes variando de 68% a 71%, o que nos permite concluir o quanto as organizações, marcas e celebridades perdem a oportunidade de resolverem ou reduzirem riscos conhecidos e que têm alto potencial de impacto negativo sobre suas atividades e reputação. Prevenção!

Já no levantamento deste ano, que se refere a 2021, o quadro se inverteu: as crises inesperadas responderam por 54% das ocorrências, contra 45% das latentes. Por quê? Covid-19 e seus efeitos? Claro que sim, mas não somente.

Gráfico comparando a origem das crises de 2016 até 2021

Comparativo entre origens de crise. Fonte: Institute For Crisis Management 2022

Já se vai o tempo em que as falhas de qualidade e segurança dos produtos e serviços eram as grandes fontes geradoras das crises – a maioria delas, conhecidas, ou seja, latentes. Casos de recalls, agora, figuram no final da fila… De 2019 para cá, casos de assédio sexual e de discriminação começaram a escalar no ranking, em função de sucessivos casos que passaram a contar com enorme visibilidade e mobilização mundiais. E esses fatores, sem dúvida, continuarão detonando grandes crises em organizações que não encararem a questão de frente e não adotarem compromissos claros, traduzidos em políticas, programas e treinamentos efetivos.

E em 2021? No topo do ranking do ICM, divulgado este ano, surgiram pela primeira vez as catástrofes, que responderam pela impressionante parcela de 36% de todas as crises globais registradas no mundo. Além dos efeitos danosos da pandemia, elas estão muito relacionadas aos grandes desastres gerados pelas mudanças climáticas _ dos furacões aos ciclones, do frio extremo aos incêndios e queimadas em larga escala. O ICM reforçou que “de acordo com o Climate Connections, o nosso planeta sofreu desastres climáticos impressionantes, equivalentes a mais de 47 bilhões de dólares em 2021”.

Eventos controláveis? Não. Imprevisíveis? Alguns, sim. Mas trabalhar na redução das causas é “a luta de nossas vidas”, como frisou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, neste segundo dia da COP 27 do Egito, que alertou: “estamos em uma estrada no caminho para o inferno climático com o pé no acelerador”.

E a comunicação nisso?

Interessante registrar que, em paralelo ao debate central sobre as metas de redução de emissões e sobre o tema “perdas e danos”, ganha mais espaço a discussão sobre o papel da comunicação no processo de engajamento geral para a questão climática e de capacitação de cada pessoa para contribuir mais concretamente no combate aos efeitos do aquecimento global.

Vivemos isso claramente na pandemia da Covid-19, quando cientistas e médicos ocuparam o noticiário e as mídias sociais, muitos deles com uma surpreendente capacidade de se comunicar de forma clara e prática, tornando-se novos influencers, poderosos agentes de influência no engajamento da população para o combate correto ao vírus e para as campanhas de vacinação. Acabaram desempenhando papel fundamental na “guerra de narrativas”, evitando que o discurso negacionista avançasse ainda mais.

Da mesma forma, campanhas desenvolvidas por empresas, instituições e ONGs foram vitais para engajar seus ecossistemas nas diversas frentes de cooperação para superarmos a pandemia que paralisou o mundo.

Esse paralelo entre a comunicação na Covid-19 e sobre a questão climática, aliás, é trazido como alerta numa matéria recente do jornal The Washington Post, e que foi comentado numa edição da semana passada do brasileiro The Brief. O texto do veículo americano aborda a necessidade de se aprender com os acertos e, principalmente, com erros cometidos no combate à pandemia para a adoção de uma nova e mais eficaz comunicação sobre as mudanças climáticas.

Especialistas ouvidos dizem que a percepção das pessoas, em geral, é de que o problema é tão gigantesco que elas simplesmente não sabem por onde começar. “As pessoas precisam saber mais sobre o que fazer para gerar impactos positivos do que se sentirem culpadas”, afirmou Baruch Fischhoff, professor da Universidade Carnegie Mellon.

“Até as pessoas mais alarmadas com o assunto não sabem o que podem fazer, individual ou coletivamente”, reforçou Anthony Leiserowitz, fundador do Programa de Comunicação sobre Mudanças Climáticas, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. “E se elas não se organizam para demandar ação política, fica muito mais fácil para o negacionismo (climático) ganhar espaço”, concluiu Leiserowitz, numa outra entrevista, para a Folha de S.Paulo.

Ou seja, há uma enorme lacuna entre o nível de preocupação e o de engajamento das pessoas. E o caminho para reduzi-la passa, necessariamente, pela comunicação.

Carina Almeida, CEO da Textual

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